Por Agnaldo de Paula*
O lulismo não é uma força irresistível, mas causa um belo estrago nas forças da esquerda radical. A estratégia do lulismo é mais do que conhecida. Foram quase 14 anos de governos petistas em que os melhorismos, conforme nosso saudoso Plínio de Arruda Sampaio, não foram suficientes para mudar os pilares macroeconômicos de nossa economia nem tão pouco romper com os paradigmas neoliberais, principalmente no plano ideológico. Mesmo assim a esquerda que não se rende e não se vende está na vanguarda do Fora Bolsonaro e não o lulismo. Lula nunca apostou nas mobilizações para mudar as regras do jogo. Por isso não chega a ser surpresa que no 29M tenha sumido. A força da esquerda radical se revela nas ruas, nas mobilizações e sem abrir mão de uma atividade parlamentar combativa.
O Psol mesmo ainda sendo um partido pequeno foi oposição de esquerda aos governos petistas. Lembro que o PSDB mesmo sendo a principal oposição burguesa a estes governos muitas vezes votava com o governo enquanto a maior parte dos partidos burgueses eram base de apoio dos próprios governos autointitulados populares. Muitas vezes o Psol era acusado de estar fazendo o jogo da direita quando na verdade o que tinha de mais retrógrado e corrupto na direita era base aliada com cargos em todos os níveis da estrutura governamental. Com a puxada de tapete que Dilma recebeu dos seus aliados; e quero lembrar que não me alinho às reflexões palatáveis a quem fora defenestrado do poder de que as Jornadas de Junho de 2013 foram o “ovo da serpente” pois apesar da complexidade das Jornadas, algo que ainda demanda um debate mais sério no nosso campo, Dilma venceu as eleições em 2014 com um discurso claramente antineoliberal, e com um símbolo muito forte em sua campanha, o de sua imagem de mulher, jovem e guerrilheira! Isso não é qualquer coisa.
O ônus de neoliberal foi totalmente transferido para Aécio numa campanha publicitária milionária que inclusive até hoje Marina Silva se recente. De qualquer forma lembro muito bem do discurso da vitória de Dilma. Uma multidão gritava: o povo não é bobo! Abaixo a Rede Globo! E uma Dilma constrangida chamava à conciliação e a unidade do país. O fato é que as promessas de campanha foram por água abaixo antes de começar o 2º mandato. Pois a “vaca tossiu”, referência a expressão utilizada na campanha eleitoral de que não retiraria direitos trabalhistas nem que esta tossisse, e Levi foi levado para cuidar do galinheiro. Em 2015 começam as grandes marchas pelo Fora Dilma com vários setores da direita na vanguarda, verdadeiro simulacro das Jornadas de 2013. E sabemos no que deu.
Nós do Psol votamos contra o impeachment mesmo depois de todas as articulações de bastidores da cúpula petista com Eduardo Cunha e seu covil. A operação Lava-jato que começou revelando o que todos suspeitávamos de promiscuidade entre governos e empresários logo foi manipulada politicamente para atingir apenas o PT. Com o antipetismo nas alturas mesmo depois deste optar pelo mercado ao invés de mudar o curso com medidas populares e principalmente mobilização do povo trabalhador, a burguesia e seus arrivistas abandonam o PT e o impeachment se impôs. Verdadeiro circo de horrores que foram aquelas sessões. Era para ter sido um acordão com Supremo e tudo, mas o baralho fora tão bem embaralhado que tudo fugiu do controle. Sobre isto lembro novamente das Jornadas que considero como a ruptura definitiva entre a velha direção dos movimentos de massas e as massas. Lembrem como foram tratadas tais mobilizações históricas. Foi com muita repressão. Haddad era prefeito de SP e fez uma aliança com Alckmin, governador do PSDB para enfrentar o movimento. Quando as marchas multitudinárias se tornaram irresistíveis com a própria Rede Globo escorraçada, voltando a trás, e alguns dias sem governo nacional, surge uma Dilma acuada em Rede Nacional, propondo um Constituinte. Uma Constituinte exclusiva da Reforma Política em 5 pontos. O movimento reflui. E alguns dias depois Temer, seu vice, desautorizou tal reforma.
Estou me alongando e claro simplificando muita coisa. Mas meu objetivo é apenas refletir um pouco sobre o lulismo. Temer assume. E começa passar a boiada. É um governo tampão que impõe um ritmo de ataques ultraneoliberais que os governos populares não tinham e não teriam condições de impor. Mesmo assim qual foi o posicionamento do lulismo diante do Fora Temer? Esperar 2018! Nesse momento era só ladeira abaixo e olha que ninguém de nós imaginaria que chegaríamos onde estamos. E ainda não vimos o fundo do poço.
Esses dias ouvi do nosso camarada Milton Temer, um dos fundadores do Psol, dizer que o bolsonarismo vem antes do Bolsonaro. E é uma verdade. Bolsonaro só personificou o que já existia. O que sempre esteve ali. Desde a base até cúpula da nossa estrutura social. Ou seja desde os estratos sociais subalternos dentro da classe trabalhadora com a consciência mais atrasada passando pela classe média e fundamentalmente no que diz respeito à nossa burguesia. Camaradas! O que é a nossa burguesia? Uma das mais canalhas do planeta! Praticamente todos os grandes setores burgueses giraram para Bolsonaro em 2018. Agora parte deles já começa a se afastar. Aí entra o lulismo de novo. Qual a resposta do nosso pacificador da Nova República: a esquerda e os progressistas já estão comigo. Eu quero é buscar os que não estão. Quero o centro! Que como diz meu camarada Glauber Braga, é uma direita que se disfarça de centro. É isto que está se operando no país, uma grande volta ao passado. 2022 como uma profecia reacionária de viagem no tempo. Como se isto fosse possível. Mas nada mais será como antes. Mesmo que vençamos Bolsonaro com Lula no 2º turno. E este é um prognóstico muito alvissareiro posto que a cada dia parece mais verossímil, em que pese a desgraça sem fim do dia a dia de ser governado por um genocida e de suas ameaças golpistas.
Da nossa parte contra Bolsonaro vamos, como diz um outro camarada, até com o capeta. Mas alerto que sem fortalecermos um polo claramente anticapitalista que aposte na mobilização autônoma do povo não venceremos o neoliberalismo muito menos a extrema direita que veio para ficar. O fascismo e o neoliberalismo só podem ser vencidos indubitavelmente nas ruas. Não desprezando o peso das eleições, mas esse é o terreno pantanoso da burguesia. A luta de classes aberta e franca ocorre em outra arena. Aquela em que cada um de nós se sinta parte de algo maior, um corpo coletivo que tenha potencial de passar nosso passado escravocrata e autoritário à limpo pondo a Nação à serviço de quem de fato a constrói, o povo trabalhador em toda sua diversidade de gênero, raça e orientação sexual que em grande maioria vive marginalizado de qualquer acesso a uma vida digna. Por isso a importância do 29M e seu passo seguinte: o 19J.
* Militante do PSOL e do Movimento Esquerda Socialista em Caxias do Sul – RS